quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Catalunha (Parte 2) - República Catalã de 1934 ao Fim da Guerra Civil - Autor: Fuentecalada


Ainda não recebi os dois últimos textos de Fuentecalada, mas essa parte da Guerra Civil é a mais assustadora do desastre comunista na Catalunha. O relato dele é impressionante. Essa freira da foto acima carbonizada na Catalunha revela bem como o diabo andava solto por lá na Guerra Civil. E isso ainda tem muito efeito nos dias de hoje, basta ver a última foto do texto de Fuentecalada.

Para aqueles que não leram sobre a formação histórica da Catalunha, cliquem aqui.

Aqui vai a parte 2, de quatro partes, sobre a Catalunha, que pedi para o Fuentecalada escrever para o blog. Vocês verão que ele sabe tudo sobre o assunto. Não encontrarão esse texto nos jornais ou revistas. É texto para leigos e historiadores.

Quem tem um amigo que escreve um texto desse não morre ignorante.

Aqui vai a parte 2:

República Catalã” de 1934 e Guerra Civil (1936-1939).

Autor: Fuentecalada


O rei Alfonso XIII, sentado, ouve pronunciamento do General Miguel Primo de Rivera.
Em meados de setembro de 1923, o então comandante geral do exército na região da Catalunha, General Miguel Primo de Rivera, em meio à escalada de atos terroristas, greves e ações violentas conduzidas por anarquistas, além de arruaças promovidas pelas alas radicais do “nacionalismo catalão”, iniciou um levante militar com o apoio da tradicional milícia parapolicial catalã, a somaten. O rei não se opôs ao golpe militar e nomeou Primo de Rivera chefe de governo. O período de governo de Primo de Rivera duraria até 1930 e contou com enfático apoio da Lliga Regionalista catalã, especialmente por Rivera haver restaurado as tarifas protecionistas que restringiam a entrada de produtos importados, mantinham os preços elevados e o controle do mercado espanhol pela indústria catalã. Em fevereiro de 1930, o rei nomeia chefe de governo o general Dámaso Berenguer com o propósito de “restabelecer a normalidade constitucional”. Em dezembro, o novo governo conseguiu sufocar um levante armado de republicanos e socialistas, organizado por um “comitê revolucionário” chefiado por Alcalá Zamora. Nas eleições de abril de 1931, os partidos republicanos-socialistas venceram em 41 das 50 capitais, apesar de serem derrotados nas zonas rurais. O resultado animou o ressurgimento público do “comitê revolucionário” que, dois dias depois, proclamou a República e se investiu em poderes de “governo provisório”. Sem apoio, o rei partiu para o exílio.
Para entender melhor o quadro político atual na Espanha, deve-se considerar que, além dos mais conhecidos partidos políticos Partido Popular (PP), Partido Socialista Obrero Español (PSOE) e a recente articulação esquerdista Podemos, há uma variação de denominações e identidades partidárias locais.

Na região da Catalunha, a Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) apresenta-se como a continuidade do partido de mesmo nome que surgiu em 1931 pela fusão de diversas correntes independentistas e que sucedeu a Lliga Catalana no controle do governo local. Com a derrocada da monarquia espanhola e o advento da chamada Segunda República, a ERC de 1931, partido de intelectuais e de pouca penetração nos meios sindicais, “proclamou a República Catalana”. Francesc Macià é escolhido “por aclamação” como presidente, ato que se seguiu da “abertura de negociações” com o governo provisório republicano de Madrid, chefiado por Alcalá Zamora, e resultou na aprovação do “Estatuto de Autonomia”, em controverso referendo conduzido pelos dirigentes da então restabelecida “Generalitat”, controlada pela ERC, com percentual “soviético” de 99% dos votos. O “Estatuto” estabelecia o catalão como única língua oficial, vedava o acesso a cargos públicos aos demais cidadãos da Espanha, impunha tarifas protecionistas e indicava um projeto supremacista de incorporação de territórios circunvizinhos, o que gerou forte oposição parlamentar do Partido Agrario Español e da Comunión Tradicionalista Carlista, em minoria, e massivos protestos antiseparatistas.

Manifestação contrária ao “Estatuto” (1932). Mondial Photo-Presse.
Biblioteca Nacional da França.
No embalo que se seguiu à frustrada tentativa de golpe militar chefiada pelo General Sanjurjo, em agosto de 1932, o parlamento espanhol aprovou a lei de reforma agrária e uma versão mitigada do “Estatuto de Autonomia”, reduzido de 52 para 18 artigos, retirando o poder de tributação direta e assegurando a igualdade de direitos para os espanhóis de todas as regiões (Estos no tendrán nunca en Cataluña menos derechos que los que tengan los catalanes en el resto del territorio de la República – art. 3º, in fine), mas declarando o caráter bilíngüe da região, considerados idiomas oficiais o catalão e o castelhano.
Entretanto, a região passaria a dispor de um governo e um parlamento próprios, aptos a legislar sobre direito civil e ordem pública, decidir a respeito de obras de interesse local, controlar o ensino primário e secundário e a possibilidade de criar escolas e institutos, além de uma Universidade própria.
As eleições realizadas em seguida, novembro de 1932, com voto em lista partidária, sistema majoritário e exclusão do voto feminino, asseguraram a hegemonia da ERC para um mandato de cinco anos.
No mesmo período, sob a direta coordenação da Internacional Comunista e da seção do partido sediada em Madrid, reorganiza-se o Partido Comunista da Catalunha (PCC), que houvera se fragmentado em razão das contínuas dissensões internas. O PCC apresenta o seguinte programa político: denúncia do “caráter burguês e contra-revolucionário” do governo republicano espanhol, rejeição do “Estatuto” e de todas as demais agremiações esquerdistas e, por fim, preconiza a “libertação da Catalunha”.
Porém, o agrupamento revolucionário mais vigoroso, especialmente na região da Catalunha, era constituído pelos anarco-sindicalistas organizados na CNT – Confederación Nacional del Trabajo – España e na FAI -Federación Anarquista Ibérica, que organizariam três tentativas de levante revolucionário entre 1932 e 1934.

As eleições seguintes, em novembro de 1933, conduziram ao governo central a coalizão de centro-direita formada pelo Partido Republicano Radical e a Confederación Española de Derechas Autonómas (CEDA), o que foi respondido por Lluís Companys, em editorial no jornal La Humanitat, órgão oficial da ERC, com uma literal declaração de guerra ao novo governo, ainda não empossado.

Pesi a qui pesi, el defensarem fins a l'última hora, fins a la darrera gota de sang, fins al gest suprem de matar i de morir.



Companys, entre junho e setembro, exercera o cargo de Ministro da Marinha no gabinete do maçom Manoel Azaña, autor de célebre discurso em que pronunciara a frase triunfante: “España paró de ser católica”, afirmando, então, que tivera início uma nova fase na história do povo espanhol.
No Natal de 1933, Francesc Macià morre de apendicite, sendo sucedido na presidência da Generalitat por Lluís Companys, que deu seguimento a política de ultranacionalismo catalão, associado ao populismo esquerdista. Curiosamente, o cadáver de Macià torna-se alvo de “homenagens” bizarras, como a realização de ritos maçônicos que implicaram a retirada do coração e o posterior desaparecimento do corpo de sua tumba, substituído pelo de um desconhecido.
Em outubro de 1934, em consonância com a celebração da revolução soviética de 1917, inflamada pela esquerda comunista e sob a liderança de Largo Caballero, secretário-geral da Unión Geral de los Trabajadores (UGT), controlada pelo PSOE, associada à convocação de uma “greve geral revolucionária”, eclode uma tentativa de golpe armado no norte da Espanha. Llargo Caballero, que chefiava o PSOE e fôra ministro de Estado no governo de Alcalá Zamora, passaria a ser identificado pela propaganda comunista como “o Lênin espanhol”, até que o partido, no futuro, venha a se livrar dele.
Simultaneamente, estoura a sublevação em Barcelona, liderada por Companys, que secretamente impulsionara o alistamento de milícias nacionalistas paramilitares, uniformizados com camisas verde-oliva, los escamots. Companys proclamou a criação do “estado catalão dentro de uma república federalista espanhola”, mas não contou com o apoio da CNT, que mantinha choques de rua freqüentes com os escamots, acusando-os de serem uma “milícia fascista”. Apesar de estarem em maior número, o golpe foi sufocado pelos militares, resultando em 107 mortos em apenas uma noite e Companys ficou sujeito a ser condenado à morte por liderar o levante armado, sendo suspenso o “Estatuto”.
Seguiu-se uma campanha “humanitária” para obter o perdão para Companys, endossada por diversas personalidades catalães, sendo o monsenhor Manuel Irurita, bispo de Barcelona, um dos primeiros signatários do pedido de clemência. Dois anos depois, o bispo seria fuzilado pelas milícias revolucionárias que Companys, de volta ao poder, havia legalizado para “combater o fascismo”.
A insólita coalizão entre Radicales, anticlericais, e a CEDA, predominantemente composta por agremiações católicas e que era o partido majoritário no parlamento espanhol, desmoronou ao final de 1935, envolvida em recorrentes denúncias de escândalos de corrupção. Foram convocadas novas eleições para 1936, que resultaram na vitória, por escassa margem, da coalizão centro-esquerdista Frente Popular. Seguiram-se, de imediato, denúncias de fraudes escandalosas nas atas eleitorais e na recontagem dos votos, o que viria a ser comprovado posteriormente, fatos que passaram a ser conhecidos como “el ‘pucherazo’ del 36” (Manuel Álvarez Tardío y Roberto Villa García inFraude y Violencia en las elecciones del Frente Popular’. S. L. U Espasa Libros: 2017).
O programa da Frente Popular prometia a anistia ampla, geral e irrestrita de todos os condenados pela insurreição revolucionária socialista de 1934, o que foi colocado em prática tão logo empossado o novo governo. Companys, ainda preso, foi eleito deputado e saiu da cadeia para reassumir a presidência da Generalitat.
Em reação à progressiva radicalização do governo da Frente Popular e ao bárbaro assassinato do combativo deputado e líder monarquista Calvo Sotelo, retirado durante a madrugada de sua residência por membros da Guardia de Asalto e pistoleiros socialistas, sendo executado a tiros ainda no interior da viatura, teve início o levante contra-revolucionário do Exército espanhol e a Guerra Civil (1936-1939). Naquele dia, no decorrer dos debates parlamentares, a deputada comunista Dolores Ibaburrí, la Pasionaria, havia proferido as seguintes palavras: "Este hombre ha hablado por última vez”. E dirigindo-se diretamente a Calvo Sotelo: “Este es tu último discurso". A sentença de morte seria friamente executada antes que raiasse o dia e o corpo lançado na entrada de um cemitério distante.
Companys não podia contar apenas com suas milícias paramilitares e para enfrentar o levante militar na Catalunha, organizou um “Comitê de Milícias Antifascistas” e distribuiu armas aos anarco-sindicalistas da CNT, com os quais estabelecera laços na juventude, ao atuar como advogado de agitadores e pistoleiros anarquistas.
As milícias anarquistas e os demais grupos revolucionários assumiram o comando da “luta antifascista” e tomaram o poder de fato na Catalunha, dando imediatamente início a um programa de expropriação de empresas, ocupações, saques, seqüestro de contas bancárias, coletivização do campo e execuções sumárias. Progressivamente, os comunistas, agora agrupados no Partido Socialista Unificado de Cataluña (PSUC), sob ordens diretas de Moscou e do Partido Comunista Español (PCE), iriam assumindo o controle da situação e logo tratariam de ajustar velhas contas com seus rivais da CNT e do Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM), antiga dissidência do PCC e resultado dos rachas sucessivos e da luta feroz pela supremacia nos meios revolucionários.
Conquanto alguns historiadores o vejam com simpatia, atribuindo a Companys o papel assemelhado ao de um mediador moderado entre os diversos partidos e agrupamentos extremistas atuantes na região, inegavelmente foi sob seu governo que foi proibido o culto católico e ocorreu a maior perseguição religiosa na história da região da Catalunha, na qual foram assassinados quatro bispos e 1.536 sacerdotes, o equivalente a 30% do clero catalão, além de freiras e leigos. Foram profanados, saqueados e destruídos sete mil edifícios religiosos (catedrais e igrejas centenárias, mosteiros, conventos, escolas, colégios, escritórios, arquivos, bibliotecas – ver, dentre outros, Rodolf Puigdollers Noblom inLa Sagrada Familia De Barcelona. Quan Les Pedres Criden”. Centre Pastoral Liturgica. 10ª Edição. 2014) e criados campos de concentração e câmaras de aprisionamento e tortura, conhecidas como chekas. Há registro de, pelo menos, 8.148 execuções de prisioneiros, dezenas autorizadas formalmente por Companys, em sua maioria sem qualquer julgamento.

Uma das sentenças de morte
assinadas por Companys.
Dentre os prisioneiros executados figura o general Francisco Jiménez Arenas, que assumira interinamente a presidência da Generalitat, após a prisão de Companys em 1934. Para dar ares de legalidade a essa execução, Jiménez Arenas fui submetido a “julgamento”, quatro meses depois de haver sido assassinado.
Lluís Companys discursa
Discurso de Companys em 1/5/1937


Em fevereiro de 1937, o jornal “Solidaridad Obrera”, órgão oficial da CNT, celebrava a lei de legalização do aborto, reconhecendo-o como uma “necessidade social” e uma “conquista revolucionária”.



Acima, página do jornal "Solidariedad Obrera", órgão oficial da anarquista CNT, em que eles comemoram mais uma "conquista revolucionária" (canto inferior direito): a publicação da Lei do Aborto, por decreto, editada no dia de Natal de 1936! 

A lei, aprovada por decreto no dia de Natal de 1936, fora batizada de “Reforma Eugenésica del Aborto”, permitindo o aborto até o terceiro mês de gravidez por “causas terapêuticas”, controle populacional, motivos “éticos” ou “sentimentais” e, ainda, para “controlar la calidad futura de la raza catalana”.
Com o avanço das tropas de Franco e a debandada dos dirigentes da Frente Popular, Companys fugiu para Paris. Aprisionado pelos alemães após a queda da França, Companys foi entregue ao governo espanhol que o sentenciou à pena máxima. Alguns relatos afirmam que, antes de enfrentar o pelotão de fuzilamento, Companys teria pedido a presença de um padre para confessar-se. Parece pouco plausível.


Carles Puigdemont, atual presidente da Generalitat, deposita coroa de flores no túmulo de Companys – 2017. Fonte: Govern catalão



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