quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Catalunha (Parte 3) - Da Guerra Civil ao Regime Franco: Autor: Fuentecalada

Nessa parte, Fuentecalada fala até do Barcelona, clube de futebol.

Acima, vemos o avanço das forças nacionalistas contra os "republicanos" (socialistas, anarquistas) na Guerra Civil espanhola. As forças nacionalistas não recuaram, durante a guerra. Como diz Fuentecalada, o avanço das forças nacionalistas ficou conhecido como "a espada invicta de Franco".

Seguimos aqui, com a sequência de artigos sobre a Catalunha que eu pedi para que o Fuentecalada preparasse para o blog. Dessa vez, vamos tratar do período do regime do General Franco, desde a  Guerra Civil.

Se você não leu a Parte 1, nem a Parte 2, clique aqui para a Parte 1 e aqui para a Parte 2.


Catalunha durante o regime de Franco.
Autor: Fuentecalada

O regime republicano que se estabeleceu após a derrubada da monarquia adotou o sistema parlamentarista, tendo o presidente da república como chefe de Estado, eleito de forma indireta pelo Congresso de deputados, e o presidente do conselho de ministros como chefe de Governo.
As controversas eleições que deram a vitória à Frente Popular, em 1936, resultaram na eleição indireta de Manuel Azaña para exercer o cargo de presidente da república em um mandato de seis anos. De acordo com a Constituição republicana de 1931, cabia ao presidente da república nomear o chefe de Governo. Azaña nomeou seu correligionário do partido Izquierda Republicana (IR), Santiago Casares Quiroga, para assumir a chefia do governo.
Quando eclodiu a Guerra Civil, em julho de 1936, o controle sobre as divisas em moeda estrangeira e as reservas de ouro do Banco de España estavam em poder do governo republicano, que utilizou as reservas em ouro para pagar a “ajuda soviética” oferecida por Stálin, sob a forma de “consultores” e material bélico, composto em boa parte por itens obsoletos e em mau estado. Azaña demitiu Casares Quiroga e entregou a chefia de governo a José Giral, também da IR. Em setembro, com o avanço da sublevação militar, Giral demite-se e Azaña nomeia o socialista Llargo Caballero para assumir o Governo, havendo assumido, ainda, a chefia do Ministério da Guerra e entregue as pastas da Educação e da Agricultura ao Partido Comunista de España (PCE), no que chamou de “Governo da Vitória”.
Na época, a Espanha detinha a quarta maior reserva em ouro do mundo, fruto da expansão comercial verificada no período da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), em que a Espanha se mantivera neutra. As remessas de ouro para a França, com a finalidade de comprar armamento, começaram em julho de 1936, ainda no Governo Giral e no gabinete de Llargo Caballero ficaram sob a coordenação do então ministro da Fazenda, o médico Juan Negrín, filiado ao PSOE. O ouro seria convertido em moeda estrangeira pela “Banque Commerciale pour L’Europe Du Nord” e pelo “Eurobank” em Paris, ambos integrantes da organização financeira do Kremlin na França. No total, 174 toneladas de ouro foram transferidas para a França, o equivalente a cerca de 30% das reservas. Em setembro de 1936, Negrín transferiu em dez mil caixotes o restante das reservas em ouro e prata do Banco de España diretamente para Moscou. “Mas os números soviéticos não revelam a contabilidade criativa havida na troca de ouro por rublos e de rublos por dólares e de dólares por pesetas”. (Beevor, Antony inA Batalha pela Espanha: a Guerra Civil Espanhola 1936-1939”. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 231-232).



Juan Negrín discursa na frente do Ebro, 1938.
Juan Negrín assumiria em maio de 1937 a presidência do Conselho de Ministros do governo republicano, com o apoio do PCE, em substituição a Llargo Caballero. Em outubro, Negrín transferiu a sede do governo para Barcelona. Ao final da guerra, Negrín conseguiu embarcar para o México um iate, El Vita, carregado de jóias, metais preciosos e tesouros de valor histórico e artístico, alguns deles saqueados pela Generalitat de Companys. O carregamento seria interceptado por outro líder socialista espanhol, Indalecio Prieto, que, em 1946, expulsaria o rival Negrín do PSOE, acusando-o de estar a serviço do PCE e da União Soviética. Ambos reivindicaram que utilizariam o tesouro do El Vita para prestar assistência aos “refugiados republicanos” no exílio, mas nunca prestaram contas do que ocorreu com essa fortuna incalculável. Negrín morreria em 1956, numa ampla e confortável casa em Paris. Poliglota, ao final da vida, segundo afirmou sua neta Carmen, dedicava-se a aprender chinês e árabe, por considerá-los os “idiomas do futuro”. Em 2008, Negrín foi “reabilitado” pelo PSOE.

A secretária de organização do PSOE, Leire Pajín, entrega o carnê de filiação a Carmen Negrín,
neta do último chefe de Governo da República. CLAUDIO ÁLVAREZ. El País : 24/10/2009.

Ao final da Guerra Civil, a economia espanhola estava exaurida. As perdas materiais ocasionadas pelos combates reduziram a produção agrícola e a criação de gado. Estima-se que a produção industrial tenha caído 30% em relação ao período que antecedeu o início da guerra. A infra-estrutura, especialmente as linhas ferroviárias, o material rodante e a produção de eletricidade, fôra em boa parte destruída (Carreras, Albert; Tafunell, Xavier inHistoria económica de la España contemporánea (1789-2009)”. Ed. Crítica. 2003. Observação: os autores citados são doutores em história pela Universitat Pompeu Fabra de Barcelona).
O período que se seguiu ao fim da Guerra Civil foi dedicado à reconstrução da infra-estrutura e da economia espanhola, o que foi largamente afetado pela eclosão da 2ª Guerra Mundial, meses após o fim da Guerra Civil. Apesar das pressões de Hitler, Franco manteve a Espanha em situação de não beligerância, cedendo, apenas, ao envio de uma divisão de infantaria com 50 mil voluntários que viriam combater no front russo, a chamada División Azul. Em 1943, a Espanha voltaria à situação de neutralidade.
No início do processo de reconstrução, o regime de Franco adotou políticas intervencionistas, protecionismo tarifário, controle cambial e de preços em busca da auto-suficiência na produção de bens considerados estratégicos, enfrentando o isolamento imposto à Espanha por razões políticas. O racionamento de produtos de primeira necessidade duraria até 1952. Em 1941 seria criado o Instituto Nacional de Industria (INI), principal expoente da série de autarquias, empresas estatais e órgãos reguladores criados nesse período.
Em 1944, o PCE lançou uma ofensiva guerrilheira que, partindo do território francês, cruzou os Pirineus e incursionou pelo Vale de Aran, na Catalunha. A estratégia desse ataque delirante, batizado de Operación Reconquista de España, era provocar uma “insurreição popular contra a ditadura” e formar na região um “governo provisório” a ser reconhecido como força beligerante pelas potências aliadas. Sem receber qualquer apoio da população, o ataque foi rechaçado pelas forças do Exército e da Guarda Civil em apenas cinco dias. Durante a incursão, Santiago Carrillo assumira o comando da operação guerrilheira. Ao saber da presença nas proximidades de tropas sob o comando do General José Moscardó, o comandante da resistência heróica do Alcázar de Toledo durante a Guerra Civil, Carrillo deu a ordem oficial de retirada, quando já se iniciara a debandada dos guerrilheiros em fuga para o território francês. Sucedeu-se a usual seqüência de expurgos e assassinatos entre os comunistas à busca dos culpados pela “ação aventureira”, ocasião em que se consolidou a liderança de Santiago Carrillo no PCE, sem prejuízo de a máquina de propaganda comunista vir a criar conotações míticas para os episódios no Vale de Aran, que apelidaram de “vale da liberdade”.
Ações guerrilheiras de comunistas e anarquistas ocorreriam residualmente até meados dos anos sessenta, consistindo, em sua maior parte, na sabotagem de redes elétricas, “expropriações revolucionárias” (roubos), represálias à população civil e assassinatos de autoridades governamentais.
Internamente, Franco enfrentava a ação, por vezes violenta, das alas extremistas da Falange, que pressionavam pela fascistização do regime e a entrada do país na Guerra ao lado do Eixo, ao que Franco respondeu com a demissão de Serrano Suner, o enfraquecimento político da Falange e o abandono da saudação fascista, além da entrega de postos-chave a militares leais e a antigos monarquistas e políticos católicos.
Em 1945, logo após o final da Guerra, Franco promulgou o Fuero de los Españoles, uma carta de direitos, deveres e garantias que restituía à religião católica a condição de religião oficial do Estado espanhol, o que daria as bases do regime que viria a ser denominado, por vezes de forma depreciativa, de “nacional-catolicismo”.
A criação da ONU acarretou novas pressões sobre a Espanha. Em 1946, a Assembléia Geral aprovou uma moção que impedia a entrada da Espanha no organismo, condenava o “regime fascista” e recomendava a imediata retirada da Espanha das representações diplomáticas dos países-membros. A decisão propiciou uma nova rodada de agitação internacional, com a usual enxurrada de artigos em jornais e realização de manifestos e atos públicos de “solidariedade antifascista”.



Manifestação de apoio a Franco, na Plaza de Oriente, em Madrid, contra a moção de condenação aprovada pela ONU: “Franco sí, comunismo no!” – 9/12/1946. Agência EFE.
Teve início um período de isolamento que muito afetou a recuperação econômica. Paulatinamente, com o acirramento da guerra fria, a Espanha seria integrada ao bloco ocidental como aliada confiável contra o comunismo. A moção condenatória seria revogada em 1950 e a Espanha aceita como membro da ONU em 1955.
A adoção de políticas restritivas buscou restabelecer o equilíbrio fiscal e a abertura da economia para o comércio e o turismo, tornada possível pelo fim do isolamento diplomático, gerando condições para o abandono do modelo autárquico intervencionista, o que permitiu o aumento de investimentos e o crescimento da economia, ainda que tenham sido mantidos elementos de caráter protecionista. Entre 1959 a 1974, período que veio a ser chamado de o “milagro español”, a Espanha registrou a segunda maior taxa de crescimento econômico, abaixo apenas do Japão, alcançando a posição de nona maior economia mundial. 
Nos anos recentes, ganhou corpo a narrativa de que a região da Catalunha constituiu um bastião de resistência à “ditadura franquista”, o que a teria tornado alvo, por cerca de quarenta anos, da exploração econômica e perseguição à “cultura catalã”. Tolices facilmente refutáveis.
Conforme é possível verificar nas estatísticas coletadas no rigoroso trabalho de pesquisa publicado pela Fundación BBVA, “Estadísticas históricas de España – Siglos XIX - XX – Volumen I” – Bilbao : 2005, coordenado por Albert Carreras e Xavier Tafunell, o PIB da Catalunha já correspondia, em meados dos anos cinqüenta, a quase 20% do PIB espanhol, conforme se verifica na tabela abaixo:

A reconstrução da economia espanhola e, especialmente, da capacidade produtiva da indústria, favoreceu fortemente a Catalunha. Fato significativo é o decreto de 1943 que reservou à cidade de Barcelona, e também Valência, a possibilidade de sediar feiras internacionais, disposição que vigoraria até 1979. A iniciativa do INI, em 1950, de estabelecer a fábrica estatal de automóveis da SEAT em Martorell (Barcelona) impulsionou a indústria automobilística e, nos moldes protecionistas então adotados, favoreceu largamente a região com subsídios estatais.
O mencionado estudo publicado pela Fundación BBVA revela o espetacular crescimento da renda familiar e do poder de compra da Catalunha que, de 1940 até 1975, cresceu 448%, consolidando a Catalunha como a região mais rica do país.




Outro mito recorrente procura politizar a maior paixão esportiva do espanhol, o futebol, buscando transformar o Futbol Club Barcelona em um símbolo da “resistência antifranquista” e do “independentismo catalão”. Insubmissos, porém, se revelam os fatos, que negam a veracidade dessa narrativa imaginária.
A manchete de jornal da época mostra a ovação com que Franco foi recebido, em 10/10/1957, por ocasião da inauguração do hoje célebre Camp Nou, estádio do Barcelona, com direito a manifestações artísticas do folclore catalão e cânticos de estréia do Himne a l’Estadi, dedicado ao Camp Nou, composto e entoado no idioma catalão.



Também significativo se faz o registro de que o Futbol Club Barcelona, por duas vezes, em 1971 e 1974, concedeu a Franco medalhas de ouro, em agradecimento aos auxílios financeiros obtidos para a quitação da dívida contraída para construir o Camp Nou e para a construção da arena multiuso Palau Balgrana e do Palau del Gel, destinado ao hóquei sobre o gelo e à patinação artística, ambos inaugurados pelo Futbol Club Barcelona em 1971.



É possível argumentar que as iniciativas das autoridades e dos dirigentes do clube de futebol catalão não representavam o real “sentimento independentista” da população e o indomável estado de “resistência antifascista” da Catalunha da época. Talvez o vídeo abaixo, filmado em 1970, possa ser útil para esclarecer o ponto.


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